25 de fev. de 2012

A Mão - Carlos Drummond de Andrade

Três dias após o funeral de Portinari, Carlos Drummond de Andrade presta sua derradeira homenagem ao amigo, dedicando-lhe o poema "A Mão":


"Mãos entrelaçadas"

Entre o cafezal e o sonho
o garoto pinta uma estrela dourada
na parede da capela,
e nada mais resiste a mão pintora.
A mão cresce e pinta
o que não é para ser pintado mas sofrido.
A mão está sempre compondo
módul – murmurando
o que escapou à fadiga da Criação
e revê ensaios de formas
e corrige o oblíquo pelo aéreo
e semeia margaridinhas de bem – querer no baú dos vencidos.
A mão cresce mais e faz
do mundo – como – se – repete o mundo que telequeremos.
A mão sabe a cor da cor
e com ela veste o nu e o invisível.
Tudo tem explicação porque tudo tem (nova) cor.
Tudo existe porque foi pintado à feição de laranja mágica
não para aplacar a sede dos companheiros,
principalmente para aguçá-la
até o limite do sentimento da terra domicílio do homem.

Entre o sonho e o cafezal
entre guerra e paz
entre mártires,ofendidos,
músicos, jangadas, pandorgas,
entre os roceiros mecanizados de Israel,
a memória de Giotto e o aroma primeiro do Brasil
entre o amor e o ofício
eis que a mão decide:
todos os meninos, ainda os mais desgraçados
sejam vertiginosamente felizes
como feliz é o retrato
múltiplo verde – róseo em duas gerações
da criança que balança como flor no cosmo
e torna humilde, serviçal e doméstica a mão excedente
em seu poder de encantação.

Agora há uma verdade sem angústia
mesmo no estar – angustiado.
O que era dor é flor, conhecimento
plástico do mundo.
E por assim haver disposto o essencial,
deixando o resto aos doutores de Bizâncio,
bruscamente se cala
e voapara nunca – mais
a mão infinita
a mão – de – olhos – azuis de Cândido Portinari.

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